terça-feira, 18 de maio de 2010

AMBIGUIDADE NO ESPELHO

- Meus olhos fixos no espelho...
Impassível, muda, do lado de lá,
a figura emoldurada me espreita.
Contemplo-a com olhos piedosos,
as marcas surradas de um tempo,
impiedoso, nas linhas que traçou.

De cá, eu miro atenta o teu olhar,
não vejo dor, amargura marcada,
nem tristeza grudada nas retinas,
apenas vislumbro a tua saudade.
Perscruto e tento ouvir-te na voz,
ou uma nota, murmúrio ou som,
denúncias, brados, ou até gritos,
continuas só a sondar-me calada.

Percorro-te na face os contornos,
cismo, ensaio querer provocar-te,
esboço alguns sorrisos maliciosos,
retribuis logo, com gestos iguais,
simultaneamente idêntica a mim,
ainda que invertida, és uma ilusão.

Quem és tu? Oh estranha imagem!
Zombas de mim, fazendo escárnio?
Ledo seu engano, não me assustas.
És matéria, ocupas lugar no espaço.
Jamais serás meu real e fiel reflexo.
A luz de minh’alma trai-te, a ofusca,
projeta-se e reflete dentro de mim.

De cá, quedo-me surda ao teu apelo,
apenas reavaliando o teu semblante.
Entendo-te agora, dos sinais na face,
marcados a força pela tua existência,
não afligem, nem torturam a vaidade,
São veleidades, só desejos efêmeros.
Nesta ambiguidade de meras imagens,
de corpo e alma, me espelho.

Celêdian Assis
28/04/10

7 comentários:

  1. Belíssimo poema, amiga Celedian !
    O espelho , que eu defini em um dos meus poemas como um um "cristal liso e frio" - mas sempre apto à revelação de mil segredos e mil faces. Parabéns !

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  2. Estava zanzando por aí e parei por aqui. Li sobre teu reflexo,que na verdade reflete tua reflexão da vida. Parabéns!Gostei...

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  3. Não tem como fugir do espelho...
    Maravilhoso o seu poema...

    Olha... eu gosto de ler você. Isso me inspira.

    Beijos!

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  4. Eu não tinha este rosto de hoje,
    assim calmo, assim triste, assim magro,
    nem estes olhos tão vazios,
    nem o lábio amargo.

    Eu não tinha estas mãos sem força,
    tão paradas e frias e mortas;
    eu não tinha este coração
    que nem se mostra.

    Eu não dei por esta mudança,
    tão simples, tão certa, tão fácil:
    - Em que espelho ficou perdida a minha face?

    Cecilia Meirelles!

    Saudações fraternas!...

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  5. Retrato

    Eu não tinha este rosto de hoje,
    assim calmo, assim triste, assim magro,
    nem estes olhos tão vazios,
    nem o lábio amargo.

    Eu não tinha estas mãos sem força,
    tão paradas e frias e mortas;
    eu não tinha este coração
    que nem se mostra.

    Eu não dei por esta mudança,
    tão simples, tão certa, tão fácil:
    - Em que espelho ficou perdida a minha face?

    Cecília Meireles

    Saudações fraternas!...

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  6. Lindo, vivenciar esse poema , é tudo de bom

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  7. Li ainda agora tua outra postagem sobre o espelho, e ao chegar nesta aqui, vi que meu comentário lá da outra caberia aqui.

    Meu eterno embate com o espelho. Nada relacionado à vaidade, mas ao reflexo, à ousadia do espelho em me mirar, me copiar.

    Diria que são reflexões e divagações que um texto tão incitante quanto o teu provocam.

    Perfeito. Parabéns Celêdian.

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