sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

PREFÁCIO



A arte de declamar, a arte de recitar que embalava os doces devaneios de uma menina, não esmaecera com o tempo, apenas adormecera em profundo sono, num tempo rude que suga a vida e que dela rouba a alma. Não pudera o tempo ido desencantar-lhe, nem as mazelas lhe findaram o que tinha no íntimo. Na insustentável sofreguidão do ser, busca incansável a sua maneira de ser, a sua maneira de estar no mundo, em consonância com sua essência.
Lembra-me com saudade, subir ao palco e cheia de graça e uma incontida emoção, desfilando em versos a mais pura forma de homenagear, que fazia inundar de lágrimas os olhos daqueles que viam naquela arte, a mais pura forma de demonstrar amor.
E a menina cresceu e lá se vão muitos anos passados. Não mais subiu em palcos e nem sequer mais recitou, mas lá estava ainda adormecido o gosto bom de gostar, de ver estampado em versos, na expressão da poesia, as inquietudes, anseios, amores, paixões, alegrias e tristezas do ser.
Quanto mudou o mundo, quanto as pessoas se distanciaram, quanta modernidade. O mundo que era real destoa da realidade. Não mais se encantam com a poesia, quanto outrora, com a mesma fidelidade de sentir a intensidade dos sentimentos. Mas a menina de outrora ainda se emociona ao ver que ainda sobraram aqueles que não sucumbiram ao tempo. Ainda se emociona quando no mundo virtual ou real, depara-se com as poesias que povoaram a sua alma e sua mente na infância.

“Negro com os olhos em brasa,
bom fiel e brincalhão,
era a alegria da casa,
o corajoso Plutão.”

Desde as mais ingênuas às mais requintadas em estilo, todas as que eu conhecera, ficaram para sempre na memória, como a instigá-la, como a despertá-la da inércia contida no sono comprido. Não me bastara a memória apenas, foi preciso ouvir de um doce amigo e grande poeta, dono de um sorriso menino, que a julgara desertora das trevas da literatura:

“Tira a santidade do teu véu, mostra-me os olhos e deixa transparecer mais sorrisos de mãe, de mulher, de poeta e de amor recôndito dentro do teu ser.”

Eis que assim, ressurge em versos tudo que o tempo sugou.
Belo Horizonte, 16 de outubro de 2007

4 comentários:

  1. Perfeito, Celêdian! É bom sair e voltar! Dá-se mais valor.. Seu lar é a poesia. Ainda bem que voltou! Desejo-lhe toda a inspiração do mundo. Sucesso! Seja muito feliz! Parabéns, minha amiga! Abração

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  2. Olá Celêdian! Há muito você me falava de sua alma poeta. Deixar à mostra toda a leveza e inquietude que existe dentro de você. Parabéns pelo blog! Ficou encantador... Beijos.

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  3. Que o tempo sugue, que o tempo leve. Não importa. Uma alma de poeta é um arquivo eterno, selado e lacrado, resistente a qualquer intempérie.

    Passe o tempo, passe o vento, passe a vida. Imortal é o verso, não aquele de metal, mas o atemporal, que vive por aí, até mesmo sem moral, recaído e marginal, reticente na cátedra, mas serelepe na boca do menestrel.

    Passe o que passar, o verso há de vingar. E vinga de várias formas... ele cresce e vinga; ele renasce, portanto, também vinga; ele torna eterno, então, o poeta vinga; ele crucifica o tempo em seu aresto, e assim, vinga a alma do poeta.

    Passe o tempo, passe a vida. Há de existir em cada dobra do tempo, amiúde, aqueles que defenderão os versos mais atemporais, e por que não aqueles que também já morreram? Sim, versos mortos também merecem ressuscitar.

    Passa o tempo, passa o poeta... mas não a poesia. Esta é eterna.

    Perdão, minha amiga, mas não resisti.

    Acho que era algo que deveria ter feito a muito mais tempo, vir aqui, no início, no nascimento.

    Perfeito. Adorei.

    Marcio

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    1. Meu querido amigo Márcio,

      Não tenho por hábito, vir aqui em minha página agradecer ou comentar as opiniões, apreciações ou até mesmo as críticas de meus leitores, já que prefiro fazer isto de uma forma mais pessoal, seja visitando-lhes em seus blogs, ou via e-mail pessoal. Contudo, fui tomada de encantamento, por esta surpreendente poesia que se tornou o seu comentário e então fiz questão de registrar aqui o meu contentamento.

      É sem dúvida, uma das coisas mais profundas que já li sobre a poesia e o poeta, sobre a perenidade da primeira e a falibilidade do segundo, mesmo que ambos guardem entre si uma relação de interdependência. Gostaria até de sugerir que publique este texto seu, para que ele chegue a outros tantos, que assim como eu, apreciam uma leitura desta qualidade.

      Obrigada meu querido amigo, você engrandece o meu espaço com a sua presença e sabedoria.
      Um grande abraço,
      Celêdian

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